quinta-feira, 30 de março de 2017






Eu era quase um anjo
e escrevia relatórios
precisos
acerca do silêncio


José Tolentino Mendonça
A infância de Herberto Helder








Pouco importa
seres canibal
e comeres chumbo.
Ou teres visto a lua
em trajes menores.
A ceia hoje é de estrelas.


Biel Vila, Pouco importa





terça-feira, 28 de março de 2017







É preciso que eu suporte duas ou três lagartas se eu quiser conhecer as borboletas...

 Antoine de Saint-Exupéry, in O Pequeno Príncipe 









segunda-feira, 27 de março de 2017




Bem sei que a noite é imóvel na tua face
E não te peço alegria. Mas tu ardes. "

Hilda Hilst, Exercícios



domingo, 26 de março de 2017




...o medo que eu tive
e já não tenho porque semeei uma casa,
esta que explode agora de gerúndios em flor.


Batania







sábado, 25 de março de 2017





... amo os grandes rios, 
pois são profundos como a alma de um homem. 
Na superfície são muito vivazes e claros, 
mas nas profundezas são tranquilos 
e escuros como o sofrimento dos homens.



Guimarães Rosa





quarta-feira, 22 de março de 2017

terça-feira, 21 de março de 2017





— A manhã começa a colocar o poema na parte
     mais límpida da vida. E o povo canta-o
     enquanto crescem os campos levantados
     ao cume das seivas.
     A manhã começa a dispersar o poema na luz incontida
     do mundo.



     Herberto Helder, O Poema
     in poesia toda





segunda-feira, 20 de março de 2017

quinta-feira, 16 de março de 2017






Lembro-me que, quando estava em casa 
da minha mãe, no meio da planície,
havia uma janela que olhava
para os campos; ao fundo, a linha do bosque
ocultava o Ticino e, mais ao longe,
havia uma tira escura de colinas.
Eu não vira o mar então senão
uma vez, mas tinha-lhe uma áspera
saudade de enamorada.
Para a noite, fitava o horizonte,
cerrava um pouco os olhos, afagava
as cores e contornos por entre os cílios.
E a linha do relevo aplainava-se,
azul, trémula – para mim era o mar
e agradava-me mais que o mar verdadeiro.

Antonia Pozzi, Amor da lonjura




quarta-feira, 15 de março de 2017





estende-te sobre o meu braço
oh meu ramo de lírios
só a mim, a mim só pertence
este mundo azul e liso
sobre o mar dos teus olhos
o amor é a barca de Ys

guiam-me as estrelas
para a luz de ouro
de um esplêndido universo
engrandecido pela aurora
entre teus seios altas paragens
sigo a alegria do corpo

no rio das tempestades
estende-te, corre nelas
boca a boca
fogo sobre fogo
oh tu, meu vinho sem juízo
oh espírito amoroso

e depois, quando imersos
desta viagem embriagada,
eis-nos imutáveis.
nossos fogos têm mais raiva
nosso espírito surpreso
de desejos e confidências


kamâl fawsi al-sharâbi, A viagem vermelha




  




Há uma erva cujo nome não se sabe; assim foi a
minha vida.


Antonio Gamoneda, Ainda





terça-feira, 14 de março de 2017





Tudo para os olhos.
E nos olhos um ritmo,
uma cor fugitiva,
a sombra duma forma,
um repentino vento
e um naufrágio infinito.

Octavio Paz





segunda-feira, 13 de março de 2017





quando um pássaro sai dos olhos da mulher
é porque ela é de longe e não da nossa beira


Ruy Belo
Como quem escreve com sentimentos




sábado, 11 de março de 2017

quarta-feira, 8 de março de 2017

terça-feira, 7 de março de 2017






Colhe
todo o oiro do dia
na haste mais alta
da melancolia.


Eugénio de Andrade, Despedida







segunda-feira, 6 de março de 2017




Vem dos lados do rio, as mãos fresquíssimas, 
algumas gotas de água ainda nos cabelos.
Com a manhã chega o anónimo respirar do mundo. 
Um cheiro a pão fresco invade o pátio todo.
Vem dos lados do rio: 
para levar à boca, ou ao poema.


Eugénio de Andrade, Com a Manhã





domingo, 5 de março de 2017





Onde a sombra de ti, o meu perfil 
É linha de certeza. Aí são convergentes 
As vagas circulares, no seu limite 
O ponto rigoroso se propaga. 
Aí se reproduz a voz inicial, 
A palavra solar, o laço da raiz. 
Nasce de nós o tempo, e, criadores, 
Pela força do perfil coincidente, 
Amanhecemos deuses de mãos dadas. 


José Saramago, Onde a sombra de ti, in Finalmente Alegria 








sexta-feira, 3 de março de 2017




Nunca sabemos se os enganados
são os sentidos ou os sentimentos,
se viaja o comboio ou o nosso desejo,
se as cidades mudam de lugar
ou todas as casas são a mesma.
Nunca sabemos se quem nos espera
é quem esperamos, num frio cais.
Não sabemos nada. Avançamos
às apalpadelas, duvidando
se isto que parece alegria
é o sinal seguro
de que voltámos a enganar-nos.


Amalia Bautista, Nada Sabemos