segunda-feira, 28 de novembro de 2016






EM CAMINHOS desertos me atraso sem remédio
e chego a casa sempre depois de mim,
como a um lugar onde não resta ninguém.


Tom Maver, Em caminhos desertos





segunda-feira, 21 de novembro de 2016






Não consegui nunca ver-me de fora.



Fernando Pessoa, in Livro do Desassossego por Bernardo Soares













Que mais quer quem descansa 
- Sossego, só sossego - 
Da dor e da esperança, 

Que ter a negação 
- Sossego, só sossego - 
De todo o coração ? 

Fernando Pessoa, in 'Cancioneiro' 





quarta-feira, 16 de novembro de 2016





E depois – quando eu partir
restará alguma coisa
de mim
no meu mundo –
restará um fino rasto de silêncio
no meio das vozes –
um ténue sopro de branco
no coração do azul –

E numa noite de Novembro
uma menina frágil
à esquina de uma rua
venderá braçadas de crisântemos
e lá estarão as estrelas
gélidas verdes distantes –
Alguém chorará
em algum lugar – em algum lugar –
Alguém irá procurar crisântemos
para mim
no mundo
quando sem regresso
eu tiver de partir.


Antonia Pozzi, Novembro





domingo, 13 de novembro de 2016

sábado, 12 de novembro de 2016






...e durava nas coisas mais antigas
a solidão sem rasto que há no mar.


Luís Filipe Castro Mendes, Música Calada,
in Poesia Reunida 






quarta-feira, 9 de novembro de 2016





No barco sem ninguém, anónimo e vazio, 

ficámos nós os dois, parados, de mão dada... 
Como podem só dois governar um navio? 
Melhor é desistir e não fazermos nada! 

Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos, 
tornamo-nos reais, e de madeira, à proa... 
Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos... 
Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa... 

Aparentes senhores de um barco abandonado, 
nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem... 
Aonde iremos ter? — Com frutos e pecado, 
se justifica, enflora, a secreta viagem! 

Agora sei que és tu quem me fora indicada. 
O resto passa, passa... alheio aos meus sentidos. 
— Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada, 
a eternidade é nossa, em madeira esculpidos! 

David Mourão-Ferreira, A Secreta Viagem









Mas o importante é espalhar as mãos, não  guardá-las apenas para entristecer.

Maria Gabriela Llansol




terça-feira, 8 de novembro de 2016





Junto ao mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento 
Que saía das coisas, vagamente... 


Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais? 


Mas na imensa extensão, onde se esconde,
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais... 



Antero de Quental, Oceano Nox, in Sonetos







domingo, 6 de novembro de 2016






No banco de jardim,
o tempo se desfaz
e resta entre ruídos
a corola de paz.
.
No banco de jardim,
a sombra se adelgaça
e entre besouro e concha
de segredo, o anjo passa.
.
No banco de jardim,
o cosmo se resume
em serena parábola,
impressentido lume.

Carlos Drummond de Andrade, No banco de jardim








sábado, 5 de novembro de 2016






Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,
e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,
quando azuis irrompem
os teus olhos
e procuram
nos meus navegação segura,
é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,
pelo silêncio fascinadas.


Eugénio de Andrade, O Silêncio,
in Obscuro Domínio





quarta-feira, 2 de novembro de 2016






Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço —
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave — qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,

que te procuram.



Herberto Helder, excerto do poema «Tríptico», publicado em A Colher na Boca







terça-feira, 1 de novembro de 2016






A gente se encostava no frio, escutava o orvalho, o mato cheio de cheiroso, estalinho de estrelas, o deduzir dos grilos e a cavalhada a peso.
Dava o raiar, entreluz da aurora, quando o céu branquece. 
Ao o ar indo ficando cinzento, o formar daqueles cavaleiros, escorrido, se divisava.
E o senhor me desculpe, de estar retrasando em tantas minudências. 
Mas até hoje eu represento em meus olhos aquela hora, tudo tão bom; e, o que é, é saudade.


João Guimarães Rosa, Saudade
Grande Sertão: Veredas