quinta-feira, 31 de maio de 2018



o obscuro desejo,
no incerto silêncio,
nos vagares repetidos,
na súbita canção

que nasce como a sombra
do dia agonizante,
quando empalidece
o exterior das coisas,

e quando não se sabe
se por dentro adormecem
ou vacilam, e quando
se prefere não chegar

a sabê-lo, a não ser,
pressentindo-as, ainda
um momento, na aresta
indizível do lusco-fusco.


Vasco Graça Moura






terça-feira, 29 de maio de 2018




Do meu quarto andar sobre o infinito, no plausível íntimo da tarde que acontece, à janela para o começo das estrelas, meus sonhos vão por acordo de ritmo com distância exposta para as viagens aos países incógnitos, ou supostos ou somente impossíveis.

Bernardo Soares, heterónimo de Fernando Pessoa





domingo, 27 de maio de 2018

quinta-feira, 24 de maio de 2018



Hoje de manhã saí muito cedo,
Por ter acordado ainda mais cedo
E não ter nada que quisesse fazer...
Não sabia por caminho tomar
Mas o vento soprava forte, varria para um lado,
E segui o caminho para onde o vento me soprava nas costas.
Assim tem sido sempre a minha vida, e
Assim quero que possa ser sempre —
Vou onde o vento me leva e não me
Sinto pensar.

Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa




quarta-feira, 16 de maio de 2018



Teus olhos, (...)
longamente tristes, sequiosos, 
como flor aberta nas sombras em busca do Sol. 
Vieram com o vento e com as ondas, 
através dos campos e bosques da beira-mar. 
Vieram até mim, estudante triste, 
dum país do Sul. 

Ruy Cinatti



domingo, 13 de maio de 2018




Poucas as coisas que viajam comigo,
lugares tão 'breves' como plumas
e outros onde deixei os 'beijos'
presos para sempre de algum lábio.
Isso tudo, palácios de água do jardim do desejo,
tudo isso e tu, eis a minha casa.


Berta Piñán




segunda-feira, 7 de maio de 2018




É quando a chuva cai, é quando
olhado devagar que brilha o corpo.
Para dizê-lo a boca é muito pouco,
era preciso que também as mãos
vissem esse brilho, dele fizessem
não só a música, mas a casa.
Todas as palavras falam desse lume,
sabem à pele dessa luz molhada.


Eugénio de Andrade