quinta-feira, 26 de dezembro de 2019



Porque somos como as árvores, presos a um lugar,
respirando através de uma lei calma e perene.


Herberto Helder




domingo, 22 de dezembro de 2019




Choveu toda a noite

sobre as memórias do verão.

Ao anoitecer saímos
no meio de um ribombar lúgubre de pedras
e, parados na margem, levantámos as lanternas
para explorar o perigo das pontes.

Ao amanhecer vimos as pálidas andorinhas
ensopadas e pousadas sobre os fios
à espreita de indícios secretos de partida -

e reflectiam-nas na terra
as fontes com os rostos desfeitos.



Antonia Pozzi




sexta-feira, 20 de dezembro de 2019



hoje é a última vez que pernoita no meio do vento
talvez regresse a casa dentro do corpo cansado
por isso vai pela ponte
tacteia a saída a um canto da fotografia
e sonolento descobre a pele envelhecida do viajante que foi



al berto





sexta-feira, 13 de dezembro de 2019



     Depois daquela ponte existe um poema,
E outro no fundo deste rio escuro,
Na flor que desabrocha na seca estrada
Na teimosia da beleza
No sonho quase em extinção nasce um poema
E nasce outro quando se extingue.

Clara Baccarin




quinta-feira, 12 de dezembro de 2019




Esses ouros e cobres

de nogueiras e choupos e céus,
essa prata transida
de névoa outonal sobre o Douro
- como entram hoje pelos olhos
e pelo coração dentro!
Nunca tão vivos, nunca,
como morrendo.


Agustín García Calvo




quarta-feira, 11 de dezembro de 2019



sempre que penso penso sempre ao contrário do fim, estás cada vez mais no princípio de ti mesma, então vejo que nesse lugar é o meu começo eterno, quando danças é um corpo rodeando a brancura rodeada ou de novo qualquer coisa criminal entre o cuidado e o espaço, nas linhas puras da solidão arde a cabeça, arde o vento, atrás de ti as imagens assassinas da noite - estrelas: subversão da noite, sempre que penso em ti danço até à ressurreição do tempo.




Herberto Helder





quinta-feira, 5 de dezembro de 2019



Da infância, o cheiro
do musgo nas levadas, da lama, das amoras
e a violência extrema de aprender.

Do mar, a última nota
da última onda desdobrada
antes da volta, teimando
que sereias não existem.

Aurora Luque






segunda-feira, 2 de dezembro de 2019



Ondeia, assume, rememora,
abriga a espuma
em coração disperso.
Uma ferida aberta
afirma e cede à sementeira cedo.
Perfaz, tacteia, roça
teu corpo ao corpo dela,
da já chorada inda que viva morte.


Pedro Tamen




domingo, 1 de dezembro de 2019



A luz que vem das pedras, do íntimo da pedra,
tu a colhes, mulher, a distribuis
tão generosa e à janela do mundo.
O sal do mar percorre a tua língua;
não são de mais em ti as coisas mais...


Pedro Tamen