quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018




Era a calma do mar naquele olhar
Ela era semelhante a uma manhã
Teria a juventude de um mineral...

Ruy Belo 




segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018




«... reencontrarei ainda o vento dessa praia
de que me despeço
nos penhascos frente ao mar
o caminho abandonado...»


José Tolentino Mendonça




domingo, 25 de fevereiro de 2018



Era uma vez uma gota cheia de sede. Não faz sentido, mas acreditem que assim era. Esta gota de água queria matar a sede a alguém que tivesse muita sede. Desejo grande, desejo único que a arredondava mais e mais, e a enchia de fé como um coração palpitante. Mas não havia meio (,,,).

Caiu na copa de uma árvore e foi escorrendo de ramo em ramo, pling, pling, pling, como uma lágrima feliz. Até que chegou a uma folha, mesmo por cima de um ninho. Caio? Não caio? Deixou-se ficar, a ver no que dava. A casca de um ovo estalou e um passarinho rompeu, aflito, lá de dentro, de bico aberto, num grito mudo. – Caio – decidiu a gota. Soltou-se da folha para a garganta aberta do passarinho, que a engoliu e, logo em seguida, piou, agradecido. Foi o passarinho, tempos depois, que me contou esta história.

FIM

António Torrado



sábado, 24 de fevereiro de 2018




De que são feitos os dias?
- De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.
Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inactuais esperanças.

De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
- do medo que encadeia
todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças.

Cecília Meireles




quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018




Eu faço o meu caminho,
Que leva perto e longe,
Sem voz e sem palavra,
Na margem, estou.


Robert Walser





...eu deslumbro-me quando o tempo 
se suspende,
e me permite parar a contemplar
o espaço sem tempo


Maria Gabriela Llansol





segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018




Todos os fins de tarde
O vector de luz atravessa
A mesma vidraça
Afasta-se
E a noite
Leva-o
Até onde te escondes
Invisível
Na espessura


Jacques Roubaud



domingo, 18 de fevereiro de 2018




Amor é o olhar total, que nunca pode
ser cantado nos poemas ou na música,
porque é tão-só próprio e bastante,
em si mesmo absoluto táctil,
que me cega, como a chuva cai
na minha cara, de faces nuas,
oferecidas sempre apenas à água.


Fiama Hasse Pais Brandão



sábado, 17 de fevereiro de 2018



Tudo passa e tudo fica
Mas o nosso é passar.
Passar fazendo caminhos
Caminhos sobre o mar


Antonio Machado




sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018




Como nós eras altivo
fiel mas como nós
desobediente.
Gostavas de estar connosco a sós
mas não cativo
e sempre presente-ausente
como nós.
Cão que não querias
ser cão
e não lambias a mão
e não respondias
à voz.
Cão
como nós.



Manuel Alegre





quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018





Não estou, nunca estarei longe desta água pura
e destas lâmpadas antigas de obscuras ilhas.
Que pura serenidade da memória, que horizontes
em torno do poço silencioso! É um canto num sono
e o vento e a luz são o hálito de uma criança
que sobre um ramo de árvore abraça o mundo.


António Ramos Rosa




quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018




Porque somos como as árvores, presos a um lugar, respirando através de uma lei calma e perene.


Herberto Helder




segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

domingo, 11 de fevereiro de 2018





O meu olhar é nítido como um girassol.

Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…



Fernando Pessoa, O meu olhar




quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018




Como janelas os olhos
como sementes de sementeira 
à luz do tempo 
quando os abres
e olhas

Como a noite os olhos
como a paz da noite 
quieta de vento e silêncio 
quando os fechas 
e dormes

Alfredo Buxán







terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

domingo, 4 de fevereiro de 2018





Volto para essa pedra absoluta. Relativa 
à minha pedra. 
Minha pedra pensada com a forma 
de. Uma lenta vida elementar. 


Herberto Helder







sábado, 3 de fevereiro de 2018




Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
— não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Herberto Helder