quarta-feira, 29 de maio de 2019



É sempre comovente o pôr do sol
por indigente ou berrante que seja,
mas ainda bem mais comovedor
é o brilho desesperado e derradeiro
que enferruja a planície
quando o último sol ficou submerso.
Dói-nos reter essa luz tensa e clara,
essa alucinação que impõe ao espaço
o medo unânime da sombra
e que pára de súbito
quando notamos como é falsa,
quando acabam os sonhos,
quando sabemos que sonhamos.

Jorge Luis Borges



quinta-feira, 23 de maio de 2019





Naquele preciso momento o homem disse a si próprio:
O que eu não daria para estar
ao teu lado na Islândia
sob o grande dia imóvel
e de partilhar o agora
como se partilha a música
ou o sabor de uma fruta.
Naquele preciso momento
o homem estava junto a ela na Islândia.



Jorge Luis Borges




terça-feira, 21 de maio de 2019




que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna - o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite

Al Berto





segunda-feira, 20 de maio de 2019



Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
a crescer e a florir sem consciência.

Virtude vegetal viver a sós
e entretanto dar flores.

António Gedeão







quarta-feira, 15 de maio de 2019

terça-feira, 14 de maio de 2019




Pra não ficarmos cegos pela mente
impõe-se observar.
Graças às janelas não odiamos a nossa casa,
graças ao mundo salvamo-nos.


Antonio Cabrera






segunda-feira, 13 de maio de 2019





E as máquinas de entranhas abertas, 
e os cadáveres ainda armados, 
e a terra com suas flores ardendo, 
e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas, 
e este mar desvairado de incêndios e náufragos, 
e a lua alucinada de seu testemunho, 
e nós e vós, imunes, 
chorando, apenas, sobre fotografias, 
— tudo é um natural armar e desarmar de andaimes 
entre tempos vagarosos, 
sonhando arquiteturas. 

Cecília Meireles





domingo, 12 de maio de 2019





e tal como a borboleta
marra no papel como num vidro
e tenta assim entrar na poesia
como a noite na luz.


Andrés Trapiello





sexta-feira, 10 de maio de 2019





E depois - se acontecer que eu me vá -
ficará qualquer coisa 
de mim
em meu mundo
- ficará um fino traço de silêncio 
por entre as vozes -
um sopro ténue de branco
no meio do azul.


Antonia Pozi





quinta-feira, 9 de maio de 2019

terça-feira, 7 de maio de 2019




E quando gela a mãe em sua distância amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o tempo
se desfibra - invento para ti a música, a loucura
e o mar.

Herberto Helder







quinta-feira, 2 de maio de 2019




Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?



Eugénio de Andrade