domingo, 30 de outubro de 2016







Desta luz, mais branca
do que o branco - ou
do que o leite, como diria Safo -
o que pode dizer-se
é isto: um dia
o céu
acordou sem nuvens e a linha
do horizonte, de tão fresca
e tão nítida
e tão próxima, era o parapeito
onde a infância vivia
debruçada. E era
ali que o voo
das gaivotas começava.


Albano Martins, Quase Marinha







sexta-feira, 28 de outubro de 2016






O silêncio só raramente é vazio
diz alguma coisa
diz o que não é


José Tolentino Mendonça, in  A Papoila e o Monge






terça-feira, 25 de outubro de 2016








Mas tu pensas 
que o mar te não esqueceu:
por isso voltas cada ano a esta praia
onde tudo o que permanece te ignora;
e encaras o mar como se fosses tu,
ainda tu,
quem recebe na face a mudança dos ventos.


Luís Filipe Castro Mendes, Noutra praia











segunda-feira, 24 de outubro de 2016

domingo, 23 de outubro de 2016






É verdade, janela, que és a forma
Simplicíssima da nossa geometria, 

E  que, sem tensão, circunscreves

A amplidão da nossa vida?



Rainer Maria Rilke, As janelas, in Frutos e Apontamentos

(tradução de Maria Gabriela Llansol)















Domingo vagabundo,
o banco e a erva,
o sol que brilha...









terça-feira, 18 de outubro de 2016






o sol o sul o sal


as mãos de alguém ao sol

o sal do sul ao sol

o sol em mãos de sul

e mãos de sal ao sol



o sal do sul em mãos de sol

e mãos de sul ao sol

um sol de sal ao sul

o sol ao sul

o sal ao sol

o sal o sol

e mãos de sul sem sol nem sal

pr’a quando enfim amor
no sul ao sol
uma mão cheia de sal?


Ruy Duarte de Carvalho, O Sul












Parecem diminutos jardins

crescendo nas palmas das mãos,
invisíveis,
doces, se tivessem algum perfume.



Carol Ann Duffy, Dois pequenos poemas de desejo





segunda-feira, 17 de outubro de 2016






Só de vez em quando os seus pensamentos perdiam-se num nevoeiro de suave melancolia.

Robert Musil






domingo, 16 de outubro de 2016






É esbelta a sombra, belo o abismo: 
Tem cuidado, meu filho, com certas asas
 que roçam O teu coração. 




Antonio Gamoneda, In Oração Fria





sábado, 15 de outubro de 2016





Como quem, vindo de países distantes fora de
si, chega finalmente aonde sempre esteve
e encontra tudo no seu lugar, 
o passado no passado, o presente no presente, 
assim chega o viajante à tardia idade
em que se confundem ele e o caminho. 
Entra então pela primeira vez na sua casa
e deita-se pela primeira vez na sua cama. 
Para trás ficaram portos, ilhas, lembranças, 
cidades, estações do ano. 
E come agora por fim um pão primeiro
sem o sabor de palavras estrangeiras na boca.



Manuel António Pina, O regresso, in Como se desenha uma casa














...Corações de mãe, arpões
Sereias e serpentes
Que te rabiscam o corpo todo
mas não sentes...


Chico Buarque, Tatuagem








quinta-feira, 13 de outubro de 2016

quarta-feira, 12 de outubro de 2016




É quando a chuva cai, é quando
olhado devagar que brilha o corpo.
Para dizê-lo a boca é muito pouco,
era preciso que também as mãos
vissem esse brilho, dele fizessem
não só a música, mas a casa.
Todas as palavras falam desse lume,
sabem à pele dessa luz molhada.


Eugénio de Andrade