quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020




A tarde trabalhava
sem rumor
no âmbito feliz das suas nuvens,
conjugava
cintilações e frémitos,
rimava
as ténues vibrações
do mundo,
quando vi
o poema organizado nas alturas
reflectir-se aqui,
em ritmos, desenhos, estruturas
duma sintaxe que produz
coisas aéreas como o vento e a luz.


Carlos de Oliveira




domingo, 16 de fevereiro de 2020




E as aves morrem para nós, os luminosos cálices
das núvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.


Herberto Helder



quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020




Homens que são como fronteiras invadidas
Que são como caminhos barricados
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados
Homens sulfatados por todos os destinos
Desempregados das suas vidas


Daniel Faria




segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020




Não corras atrás do dia. Se o não apertares,
talvez ele à noite
se estenda no teu regaço.


Aurora Luque




quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020



Em Lisboa era difícil ver as estrelas. Eu vinha à varanda com o gin na mão, para impressionar as raparigas, e não encontrava uma que fosse. Creio que foi aí que comecei a dividir as terras entre aquelas onde se pode ver as estrelas e aquelas onde não se pode.

Joel Neto







segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020




As pontes não são o rio.
As casas existem nas margens coalhadas.
Agora eu penso na solidão do amor.
Penso que é o ar, as vozes quase inexistentes no ar,
o que acompanha o amor.
Acompanha o amor algum peixe subtil.



Herberto Helder







domingo, 2 de fevereiro de 2020




As barcas gritam sobre as águas.
Eu respiro nas quilhas.
Atravesso o amor, respirando.
Como se o pensamento se rompesse com as estrelas
brutas. Encosto a cara às barcas doces.
Barcas maciças que gemem
com as pontas da água.



Herberto Helder