Para quê contar o tempo que nos resta?

Viver é abraçar escuridões:

do que não sabemos ao que não sabemos,

de uma distância a outra distância.

Tudo é inacessível.

 Quem vê um comboio passar compreende o resto.

 

Josep M. Rodríguez

 

Inutilmente interrogas.

Teus olhos olham para o céu.

Buscas, olhando as nuvens,

pegadas que o vento levou.

Buscas as quentes mãos,

os rostos dos que se foram,

o círculo em que vogam

tocando seus instrumentos.

Nuvens que eram cadência,

canção sem fim nem princípio,

sinos de branca espuma

fazendo rodar seu segredo, (...)

José Hierro 

 Já nascemos embarcados.

Blaise Pascal

 

Ninguém aprende a voar

até inventar um céu.

José María Zonta

 

 

Beber a luz doirada que irradia

dos vastos horizontes,

e ver escoar-se o dia

entre pinhais e montes...

Doce melancolia.

 

 

Luís Amaro

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 Com os céus assim sujos ou blindados, temos os que os viajantes ingleses chamaram "azorean torpor". Com o ar rarefeito, respiramos uma atmosfera de Eden, com médias térmicas de sonho e uma luminosidade de ouro velho que a gama dos verdes faz idílica.

Vitorino Nemésio

 

 

 

Olho a costa, vejo a terra e tudo o que sobre ela se levanta: eis um corpo que se acomodou ao conforto do próprio sono. E eis a montanha que insensivelmente respira, tingida de negro no perfil, envolta em sombra e escorada na pedra do basalto.

João de Melo

 

Se tivesse que mostrar pela primeira vez o mar a um amigo, escolheria Etretat.

Alphonse Karr

 

Acata essa Beleza, mais alta, e deixa-a perder-se.

E seja o silêncio tua forma de homenagem.

José Cereijo

 

A questão, no fundo, é apenas esta: há momentos

em que a vida nos parece quase bela,

escolhos onde embatem as mais íntimas certezas.

Talvez adormeçamos lado a lado,

de costas para a morte, e haja corsários ao fundo,

um mar de gelo protegendo-nos da noite.

Manuel de Freitas

 

Já nascemos embarcados.

Blaise Pascal

 

Se eu voltar algum dia

será pelo canto dos pássaros.

Não pelas árvores que hão-de partir comigo

ou irão depois visitar-me no Outono,

não pelos rios que, por baixo da terra,

continuarão a falar-nos com suas vozes mais nítidas.

Se no fim regressar, corpóreo ou incorpóreo,

levitando em mim mesmo,

embora nada possa já ouvir na ausência,

sei que minha voz estará ao lado de seus coros,

e voltarei, se hei-de voltar, por eles;

o que foi vida em mim não deixará de celebrar-se,

e eu habitarei o mais inocente dos seus cantos.

Eugenio Montejo

 Sós, sempre sós.

Nas planícies, nos montes, nas florestas,

A crescer e a florir sem consciência.

Virtude vegetal viver a sós

E entretanto dar flores.

António Gedeão

 

As barcas gritam sobre as águas.

Eu respiro nas quilhas.

Atravesso o amor, respirando.

Como se o pensamento se rompesse com as estrelas

brutas. Encosto a cara às barcas doces.

Barcas maciças que gemem

com as pontas da água.

Herberto Helder

 

                      Eu quando olho pra o Douro vejo fundamentalmente um presépio

                          de socalcos lindíssimos a subir as encostas, coroadas por uma mata,

                         que vão cair sobre um rio cheio de salgueiros.

                                                           Gonçalo Ribeiro Telles

 

O nevoeiro começa a adensar-se quando João Bernardo sai da auto-estrada. Reduz a velocidade, menos por precaução do que pelo prazer de rodar entre as brumas molhadas que velam árvores, jardins, aldeias e póvoas, igrejas e capelas, casai de beira de estrada e mansões resguardadas em parques, cada presença trasmudada pelo leve, leitoso, mágico envólucro, acrescida de um cândido mistério ficcional.

Helena Marques 

 

A vida não é a que nós vivemos mas a que nós recordamos quando queremos contá-la.

Gabriel Garcia Marquez