segunda-feira, 13 de janeiro de 2020




Vais dizer que não é verdade, mas às vezes parece
que o mundo se detém. Que pára de girar e,
nosso amigo e como para avisar-nos,
prolonga-nos esse momento para sempre.


Kirmen Uribe




quarta-feira, 8 de janeiro de 2020




No silêncio do escuro sobe um murmúrio,

ouvem-se vozes e risos ao longe;
ao rumor junta-se uma cor inútil,
de sol, de margens, de claros olhares.
Um verão de vozes. Em cada rosto,
como um fruto maduro, um sabor antigo.

Cesare Pavese



terça-feira, 7 de janeiro de 2020

domingo, 5 de janeiro de 2020




Brilhas tão pouco
que mal consigo...
captar teu lume
num breve segundo
de lucidez,
que presto deslumbra
e também desmaia
como luz perdida
no fim da noite.



Pedro Nava




sexta-feira, 3 de janeiro de 2020



Não importa que ardesse
quanto tivemos, não importa
este rasto de ruínas
que o tempo nos vai deixando à passagem;
nem importa já sequer que o mundo em volta
seja um largo campo de derrotas.

São tuas mãos a casa; teus olhos, o desvão
onde crescemos esperando-nos;
e teus lábios a página
onde se escuta o ruído
da infância, a voz dos saguões
e o rumor dos pátios.


Pedro A. González Moreno




quinta-feira, 2 de janeiro de 2020




Aqui, sobre este chão
onde aprendemos o nome das coisas,
faremos um altar e, todas as tardes,
com as últimas febres
do trigo e com os ocres
cansados destes cerros, ergueremos
uma casa feita apenas
da matéria frágil dos nomes.
E nas paredes tatuaremos
a pele da nossa sombra.


Pedro A. González Moreno




quinta-feira, 26 de dezembro de 2019



Porque somos como as árvores, presos a um lugar,
respirando através de uma lei calma e perene.


Herberto Helder




domingo, 22 de dezembro de 2019




Choveu toda a noite

sobre as memórias do verão.

Ao anoitecer saímos
no meio de um ribombar lúgubre de pedras
e, parados na margem, levantámos as lanternas
para explorar o perigo das pontes.

Ao amanhecer vimos as pálidas andorinhas
ensopadas e pousadas sobre os fios
à espreita de indícios secretos de partida -

e reflectiam-nas na terra
as fontes com os rostos desfeitos.



Antonia Pozzi




sexta-feira, 20 de dezembro de 2019



hoje é a última vez que pernoita no meio do vento
talvez regresse a casa dentro do corpo cansado
por isso vai pela ponte
tacteia a saída a um canto da fotografia
e sonolento descobre a pele envelhecida do viajante que foi



al berto





segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019



     Depois daquela ponte existe um poema,
E outro no fundo deste rio escuro,
Na flor que desabrocha na seca estrada
Na teimosia da beleza
No sonho quase em extinção nasce um poema
E nasce outro quando se extingue.

Clara Baccarin




quinta-feira, 12 de dezembro de 2019




Esses ouros e cobres

de nogueiras e choupos e céus,
essa prata transida
de névoa outonal sobre o Douro
- como entram hoje pelos olhos
e pelo coração dentro!
Nunca tão vivos, nunca,
como morrendo.


Agustín García Calvo




quarta-feira, 11 de dezembro de 2019



sempre que penso penso sempre ao contrário do fim, estás cada vez mais no princípio de ti mesma, então vejo que nesse lugar é o meu começo eterno, quando danças é um corpo rodeando a brancura rodeada ou de novo qualquer coisa criminal entre o cuidado e o espaço, nas linhas puras da solidão arde a cabeça, arde o vento, atrás de ti as imagens assassinas da noite - estrelas: subversão da noite, sempre que penso em ti danço até à ressurreição do tempo.




Herberto Helder





quinta-feira, 5 de dezembro de 2019



Da infância, o cheiro
do musgo nas levadas, da lama, das amoras
e a violência extrema de aprender.

Do mar, a última nota
da última onda desdobrada
antes da volta, teimando
que sereias não existem.

Aurora Luque






segunda-feira, 2 de dezembro de 2019



Ondeia, assume, rememora,
abriga a espuma
em coração disperso.
Uma ferida aberta
afirma e cede à sementeira cedo.
Perfaz, tacteia, roça
teu corpo ao corpo dela,
da já chorada inda que viva morte.


Pedro Tamen




domingo, 1 de dezembro de 2019



A luz que vem das pedras, do íntimo da pedra,
tu a colhes, mulher, a distribuis
tão generosa e à janela do mundo.
O sal do mar percorre a tua língua;
não são de mais em ti as coisas mais...


Pedro Tamen