Quem mais sofre
quando um novo amor nos deixa
são os antigos amores
Vêem-nos chegar de longe
após uma longa ausência
olham-nos com suspeita
cheiram-nos
Então dizem
Ai, poeta, de que batalha virás!
E eu mostro-lhes só o meu silêncio como troféu de guerra
Elas entendem
apesar das suas ironias
Uma indica-me posições de tai-chi para o baço
Outra dá-me na boca
umas colheres de um chá negro com sabor a lacrau
Outra aplica-me queimaduras no plexo solar e nas mãos
com um estranho charuto chinês
Outra deita-me no sofá e percorre-me com as lentes
Outra diz-me que respire fundo, até cá baixo, mais abaixo,
e não faltará quem me ofereça uma oração, uma cerveja
Pouco a pouco vou vindo à tona
Então elas fazem planos para mudar de quarto
de emprego
de cidade
de planeta
quanto antes
Não estão para me ver voltar novamente
como um cachorro abandonado.
Gonzalo Fragui, De como os antigos amores
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