quarta-feira, 31 de maio de 2017

terça-feira, 30 de maio de 2017




não posso,
ainda que o grito sufoque na garganta...


António Ramos Rosa
Não poso adiar o amor,
in Viagem através de uma Nebulosa







Por dentro era o som dum violino
por fora havia um vago marulhar

menos que nunca penso no destino

e bebo a tua sombra devagar.

António Barahona
 in O Som do Sôpro









segunda-feira, 29 de maio de 2017




As Grandes Ondas: ígneo mar revôlto
do coração, a fluctuar no som,
a lume do tumulto.

António Barahona, Prefácio
Grandes Ondas





domingo, 28 de maio de 2017




Se não fosse por ti...
se não fosse por ti, que todas as tardes
me fazes teu quando o sol se põe,
quando tudo é tão belo por ser triste,
e mais me afundas na terra
as raízes de homem, tão só
ao sol poente em que Deus se escapa.
O que seria de tudo, o que seria
de nós? Nunca jamais veríamos
o secreto mistério das coisas.


Oh, tu, tristeza, mãe da beleza toda
criada pelo homem na dor nascida
da tua mão de castigo...
Não te apartes de mim, vem cada dia
entristecer-me, fazer-me homem e fillho teu...
Visita-me.

Vicente Gaos, À tristeza






sábado, 27 de maio de 2017





Quem mais sofre
quando um novo amor nos deixa
são os antigos amores

Vêem-nos chegar de longe
após uma longa ausência
olham-nos com suspeita
cheiram-nos

Então dizem
Ai, poeta, de que batalha virás!
E eu mostro-lhes só o meu silêncio como troféu de guerra

Elas entendem
apesar das suas ironias
Uma indica-me posições de tai-chi para o baço
Outra dá-me na boca
umas colheres de um chá negro com sabor a lacrau
Outra aplica-me queimaduras no plexo solar e nas mãos
com um estranho charuto chinês
Outra deita-me no sofá e percorre-me com as lentes
Outra diz-me que respire fundo, até cá baixo, mais abaixo,
e não faltará quem me ofereça uma oração, uma cerveja

Pouco a pouco vou vindo à tona 

Então elas fazem planos para mudar de quarto
de emprego
de cidade
de planeta
quanto antes
Não estão para me ver voltar novamente
como um cachorro abandonado.



Gonzalo Fragui, De como os antigos amores







quinta-feira, 25 de maio de 2017






Quero ignorado, e calmo 
Por ignorado, e próprio 
Por calmo, encher meus dias 
De não querer mais deles. 

Aos que a riqueza toca 
O ouro irrita a pele. 
Aos que a fama bafeja 
Embacia-se a vida. 

Aos que a felicidade 
É sol, virá a noite. 
Mas ao que nada espera 
Tudo que vem é grato.


Fernando Pessoa




quarta-feira, 24 de maio de 2017



Recomeça...
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcançares
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.


Miguel Torga, Recomeça, Diário XIII







Não perturbes a paz que me foi dada. Ouvir de novo a tua voz seria matar a sede com água salgada.

Miguel Torga, Suspensão





terça-feira, 23 de maio de 2017




Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...


Álvaro de Campos 







Se te despedires, fá-lo de mansinho,

nada de brusquidão.
Não me digas: ‘Vamos estar um tempo sem nos ver’.
O que é o tempo?, responder-te-ia.
Uma ponte entre o adeus e o reencontro?
Se te despedires, que teu adeus me conforte,
que seja o bálsamo de minhas feridas,
que teus lábios me digam: ‘até depois’,
‘fazes já parte da minha vida’,
que eu possa sentir que em todo o momento
nossas mãos se buscarão na sala de espera
e falaremos de amores, de como passa o tempo,
de quão interessante te acho.


Gloria Bosch, A despedida




domingo, 21 de maio de 2017




O vento chamei,
confiei-lhe meu desejo de ser.



Alejandra Pizarnik, Peregrinação







Duvida da luz dos astros,
De que o sol tenha calor,
Duvida até da verdade,
Mas confia no meu amor.



William Shakespeare



sábado, 20 de maio de 2017




a porta está fechada na palavra porta 
 para sempre


Manuel Antonio Pina, 
Como se desenha uma casa









No entanto, ao escrever-te para marcar 
um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos 
para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que 
é também a mais absurda, de um sentimento; e, por 
trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia 
seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores 
do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos 
encontrar, que há-de ser um dia azul, de verão, em que 
o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí 
que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas, 
que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo 
das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros. 

Nuno Júdice, Carta (Esboço)




quinta-feira, 18 de maio de 2017




E no entanto, antes das palavras gastas, 
tenho a certeza 
de que todas as coisas estremeciam 
só de murmurar o teu nome 
no silêncio do meu coração. 
Não temos já nada para dar. 
Dentro de ti 
não há nada que me peça água. 
O passado é inútil como um trapo. 
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade




quarta-feira, 17 de maio de 2017





Foi à beira do mar, à meia-noite.
Estava Deus lá,
e a areia e tu
e o mar e eu e a lua
éramos Deus. E adorei.


Antonio Gala




terça-feira, 16 de maio de 2017





Não procures a noite por não suportares o dia.

 Vergílio Ferreira, Aparição



segunda-feira, 15 de maio de 2017





E ainda que tivesse o dom de profecia e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda tivesse uma fé capaz de mover montanhas, se não tiver amor, nada serei.

Paulo, 1 Corintios 13:2





domingo, 14 de maio de 2017




Tem uma cor pálida. O teu nome. Como um fruto numa tarde de outono.

Vergílio Ferreira, Para sempre










Eu não sei de pássaros,

nem conheço a história do fogo.

Mas creio que devia ter asas a minha solidão.

Alejandra Pizarnick, Carência




sexta-feira, 12 de maio de 2017




A tua vida não é apenas tua. Ela é de si e dos outros.

Vergílio Ferreira







Entre uma infinidade de hipóteses de não teres nascido, saiu-te a sorte de teres nascido. Se te tivesse saído a "sorte grande", haveria gente que se admiraria de isso te ter acontecido. Tu mesmo dirias talvez que parecia um "sonho", que era inacreditável, que ainda não tinhas caído em ti do assombro. Mas essa sorte foi a de um número entre dezenas de milhares ou mesmo centenas. Mas teres nascido é ter-te saído a sorte entre biliões e biliões e biliões de hipóteses negativas. Saiu-te o número inscrito numa areia do universo. Tens pois o privilégio incrível de veres o sol, as flores, os animais. De ouvires as aves e o vento. De. E todavia, como esqueces isso tão facilmente. Breve tudo se apagará em silêncio. Breve a oportunidade de estares vivo cessou. Provavelmente ninguém mais saberá que exististe. E mesmo dos que o souberem, não se saberá um dia. Num momento não muito longínquo morrerá o último homem sobre a face da Terra. Esse é, aliás, o momento da tua própria morte, porque tu és o primeiro e o último homem que nasceu. Tudo é rápido e contingente e miraculoso. Tudo é rápido e sem consequências. A única consequência és tu e a vida que viveres. Não a desperdices. Não inutilizes a fabulosa sorte que te calhou. Vê. Ouve. Pára, escuta e olha, que a morte vai a passar. E terás cumprido ao menos, para com o universo, um pouco do teu dever de gratidão

Vergílio Ferreira, Pensar








e faço-te estes versos
de sal e esquecimento.



Rui Knopfli,
Ilha Dourada





quinta-feira, 11 de maio de 2017





Não vejo o teu coração, deixei de ver a lua.
E o céu desta cidade não me vence.


 Armando Silva Carvalho




quarta-feira, 10 de maio de 2017




A poesia é tudo o que nasceu com asas a cantar.



Lawrence Ferlinghetti, 
A poesia como arte insurgente





terça-feira, 9 de maio de 2017

domingo, 7 de maio de 2017




No meu peito uma palavra
de pedra veio cair.
Que nada! Pronta eu estava.
Sou capaz de resistir.

Hoje há muito que fazer:
devo matar a lembrança,
à alma dar pedra, substância,
e reaprender a viver.

Ou... O verão, farfalhando,
entra pela gelosia.
Venho há muito suspeitando
luz diurna, casa vazia.


Anna Akhmatova, Sentença
















Há um grande amor que se solta quando a presença física desaparece. Há um grande amor que espera por esse vazio para se mostrar. É como a voz dela dentro de mim: só comecei a ouvi-la no silêncio que caiu à minha volta quando ela se foi embora. Durante uns tempos — que nunca mais acabavam — doía-me que eu não pudesse falar com ela. Mas doía-me ainda mais ela não poder falar comigo.

Miguel Esteves Cardoso
O riso das mães, in Público, 2017-05-07







Antes de morrer ela confidenciou-me "as mães, por muito boas que sejam, acabam sempre por deixar mal os filhos."... As mães só fingem que nos deixam ficar mal. A verdade — que também é triste — é que não nos largam. Porque nós não as deixamos. Nem podemos. 


Miguel Esteves Cardoso
in O riso das mães, Público, 2017-05-07