domingo, 11 de fevereiro de 2018





O meu olhar é nítido como um girassol.

Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás…
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem…
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras…
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo…



Fernando Pessoa, O meu olhar




quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018




Como janelas os olhos
como sementes de sementeira 
à luz do tempo 
quando os abres
e olhas

Como a noite os olhos
como a paz da noite 
quieta de vento e silêncio 
quando os fechas 
e dormes

Alfredo Buxán







terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

domingo, 4 de fevereiro de 2018





Volto para essa pedra absoluta. Relativa 
à minha pedra. 
Minha pedra pensada com a forma 
de. Uma lenta vida elementar. 


Herberto Helder







sábado, 3 de fevereiro de 2018




Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
— não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.

Herberto Helder





segunda-feira, 29 de janeiro de 2018




A imensidade vazia das coisas, o grande esquecimento que há no céu e na terra...


Fernando Pessoa, in Livro do desassossego




domingo, 28 de janeiro de 2018




O amor é tão monótono, querida. Porque ele é o cimo sensível de uma imensidade de coisas que se esqueceram. Como falar desse mínimo que é o vértice de todo um mundo que o sustenta? Falar de nada, que é o todo nele? Sandra. Podia dizer o teu nome infinitamente na multiplicação do que nele me ressoa. E é assim o que mais me apetece, dizê-lo dizê-lo. E ouvir nele o maravilhoso que me abala todo o ser. Poderia escrever o teu nome ao longo do que escrevo e teria talvez dito tudo. Mas eu quero desse tudo dizer também o que aí se oculta. Dizer o meu enlevo e a razão de ele me existir. As tuas mãos nas minhas. O incrível miraculoso de eu dizer o teu rosto. O ardor de um meu dedo na tua pele. Na tua boca. O terrível dos meus dedos nos teus cabelos. O prazer horrível até à morte da minha entrada no teu corpo.

Vergílio Ferreira, Para Sempre
(Por ocasião do seu aniversário, ele que escreveu: "Da minha língua vê-se o mar")




sábado, 27 de janeiro de 2018




Dizes que é absurdo o universo,
que a vida não tem sentido.
Mas não é um sentido o que eu busco,
uma explicação, uma promessa,
é o estar aqui e à deriva:
uma simples garrafa na praia
à espera da maré.
Sim, a palavra justa é abandono,
uma doce renúncia que me designa
dono e senhor no fim da minha estrada.
Os afãs do mundo
que fiquem para outros e meu mundo seja
a magia desta casa
tomada pela penumbra em seu sossego,
o saber que ninguém virá
interromper minha tarde,
que não haverá sobressalto,
nem vozes, nem horas fixas,
porque é só deixar correr,
agora, a minha grande tarefa.

Vicente Gallego




quinta-feira, 25 de janeiro de 2018




                     De palavra em palavra                  
a noite sobe
aos ramos mais altos
e canta
o êxtase do dia.


Eugénio de Andrade







quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

terça-feira, 23 de janeiro de 2018




Vou guardar as tuas mãos na paixão que tenho por ti,
mas não te posso revelar o meu nome, nem precisas de o saber.
Chama-me o que quiseres, dá-me um nome para que possamos amarmo-nos.
Aquele que tinha perdi-o no caminho até aqui.
Pertencia a outra paixão, e já a esqueci.
Dá-me tu um nome para eu poder ficar contigo.

Al Berto




domingo, 21 de janeiro de 2018




É um cliché dizer-se que a vida é uma montanha. Sobe-se, alcança-se o topo e depois desce-se. Para mim, a vida é a subir até se ser queimado pelas chamas. A vida é uma realização e cada momento tem  um significado que deve ser tomado. A vida é-nos dada como um pedaço de terra com tudo por fazer. Espero que, quando eu terminar, o meu pedaço de terra seja um lindo jardim. Assim, há muito por fazer.

Jeanne Moreau






sábado, 20 de janeiro de 2018



Dói-nos reter essa luz tensa e clara,
essa alucinação que impõe ao espaço
o medo unânime da sombra
e que pára de súbito
quando notamos como é falsa,
quando acabam os sonhos,
quando sabemos que sonhamos.

Jorge Luis Borges


sexta-feira, 19 de janeiro de 2018




Perdemos repentinamente
a profundidade dos campos
os enigmas singulares
a claridade que juramos
conservar

mas levamos anos
a esquecer alguém
que apenas nos olhou


José Tolentino de Mendonça



quinta-feira, 18 de janeiro de 2018




pouco importa em quantas derrotas
te lançou
as dores os naufrágios escondidos
com eles aprendeste a navegação
dos oceanos gelados


José Tolentino de Mendonça




terça-feira, 16 de janeiro de 2018




... e vi seus olhares
como versos trepidantes
cavalgar para o fim da noite,
e vi sua ternura destroçada
pela abundância dos que os temem
e em seu temor os fazem grandes.
Vi-lhes na bondade do gesto
a rebeldia de um mundo
que não precisa lei nem ordem para ser justo,...


Uberto Stabile




terça-feira, 2 de janeiro de 2018