Passa uma faca sobre a vida. Tudo se apaga. A tentação de parar ao lado de alguém é esta chuva branda, esta música de infância, testemunho a passar até onde pudermos, até desaparecermos ao longe, atrás dos rios e das montanhas, no vento dos transes dos navios, no clima dos campos de combate, onde já não são sombras quem nos espera, mas uma quarentena, a catedral, o elevador que desce até ao infinito glaciar da vida."
Ernesto Sampaio
quarta-feira, 22 de abril de 2020
Abrir-se-á aquela rua,
as pedras cantarão,
o coração baterá em sobressalto
como a água nas fontes -
será esta a voz
que subirá as tuas escadas.
As janelas saberão
o odor da pedra e do ar
matinal. Abrir-se-á uma porta.
Cesare Pavese
segunda-feira, 20 de abril de 2020
O que espreita no escuro
de nós mesmos nos afasta,
cheira e depois rejeita-nos
como um monstro horrível,
para podermos começar de novo.
O que cresce no cinzento
corrige os adeuses, descora-os
como sonata de Schubert
numa manhã de chuva,
para podermos voltar de novo.
O que habita no branco
apaga os poemas, espalha-os
como ondas de um lago adormecido
que uma mão de criança desperta,
para podermos escrever de novo.
Alfonso Brezmes
domingo, 19 de abril de 2020
...e da evanescência de tudo
edifica uma permanência,
cristal do tempo no papel.
Carlos Drummond de Andrade
sábado, 18 de abril de 2020
Lentamente, muito lentamente, o grupo de caracóis avançava por entre a erva. Iam tristes e sentiam que a tristeza se instalava como um modesto lastro que tornava pesadas as suas conchas.
Luis Sepúlveda
quarta-feira, 15 de abril de 2020
Por algum tempo, mesmo
que seja mínimo, as
coisas são perfeitas.
(...)
Até que esse algum tempo
perfeito e mensurável
em desmedido tempo
se transforma.
Inês Lourenço
terça-feira, 14 de abril de 2020
Podes ter o universo se eu puder ter a Itália.
Giuseppe Verdi
Só de vez em quando os seus pensamentos perdiam-se num nevoeiro de suave melancolia.
Robert Musil
domingo, 12 de abril de 2020
A curva ascendente da primavera
sexta-feira, 10 de abril de 2020
Só há um modo verdadeiro de rezar:
estende o teu corpo ao longo do barco
que desce silencioso o canal
e deixa que as folhas mortas do bosque
te cubram
José Tolentino Mendonça
quinta-feira, 9 de abril de 2020
Na casa defronte de mim e dos meus sonhos,...
Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa
terça-feira, 7 de abril de 2020
o último raio de sol da tarde.
Dir-se-ia antes uma casa...
Manuel António Pina
segunda-feira, 6 de abril de 2020
Se viesse cá um fotógrafo, reunisse a família no relvado junto à casa e tirasse uma fotografia, e a fotografia fosse parar a um livro que um homem abrisse daqui a cem anos, de quanto da nossa vida que se joga agora aqui poderia ele aperceber‑se? Fitá-lo-íamos em silêncio.
Ove Knausgard
domingo, 5 de abril de 2020
Gosto das palavras que sabem a terra, a água, aos frutos de fogo do verão, aos barcos no vento; gosto das palavras lisas como seixos, rugosas como pão de centeio. Palavras que cheiram a feno e a poeira, a barro e a limão, a resina e a sol.