e sonolento descobre a pele envelhecida do viajante que foi
al berto
segunda-feira, 16 de dezembro de 2019
- O mar, ouviram-no dizer.
Herberto Helder
sexta-feira, 13 de dezembro de 2019
Depois daquela ponte existe um poema,
E outro no fundo deste rio escuro,
Na flor que desabrocha na seca estrada
Na teimosia da beleza
No sonho quase em extinção nasce um poema
E nasce outro quando se extingue.
Clara Baccarin
quinta-feira, 12 de dezembro de 2019
Esses ouros e cobres
de nogueiras e choupos e céus,
essa prata transida
de névoa outonal sobre o Douro
- como entram hoje pelos olhos
e pelo coração dentro!
Nunca tão vivos, nunca,
como morrendo.
Agustín García Calvo
quarta-feira, 11 de dezembro de 2019
sempre que penso penso sempre ao contrário do fim, estás cada vez mais no princípio de ti mesma, então vejo que nesse lugar é o meu começo eterno, quando danças é um corpo rodeando a brancura rodeada ou de novo qualquer coisa criminal entre o cuidado e o espaço, nas linhas puras da solidão arde a cabeça, arde o vento, atrás de ti as imagens assassinas da noite - estrelas: subversão da noite, sempre que penso em ti danço até à ressurreição do tempo.
Herberto Helder
quinta-feira, 5 de dezembro de 2019
Da infância, o cheiro
do musgo nas levadas, da lama, das amoras
e a violência extrema de aprender.
Do mar, a última nota
da última onda desdobrada
antes da volta, teimando
que sereias não existem.
Aurora Luque
segunda-feira, 2 de dezembro de 2019
Ondeia, assume, rememora,
abriga a espuma
em coração disperso.
Uma ferida aberta
afirma e cede à sementeira cedo.
Perfaz, tacteia, roça
teu corpo ao corpo dela,
da já chorada inda que viva morte.
Pedro Tamen
domingo, 1 de dezembro de 2019
A luz que vem das pedras, do íntimo da pedra,
tu a colhes, mulher, a distribuis
tão generosa e à janela do mundo.
O sal do mar percorre a tua língua;
não são de mais em ti as coisas mais...
Pedro Tamen
sexta-feira, 29 de novembro de 2019
Mas o arado perpetua-se em mim.
De facto, em horas de arriscada exaltação,
gosto de pensar nestes versos como sendo
um arado com que rasgo outras terras
mais voláteis e menos aráveis,
e nelas julgo deixar alguma semente.
A. M. Pires Cabral
quinta-feira, 28 de novembro de 2019
Para lá das manhãs frias, nas planícies áridas
(...)
A humanidade vestindo sonhos rezava...
Manuel da Fonseca
domingo, 24 de novembro de 2019
Silêncio que se derrama
pela terra escalavrada
e chega no horizonte
suando nuvens de sangue.
Era hora do poente.
Quase noite e quase dia.
Manuel da Fonseca
sexta-feira, 22 de novembro de 2019
Indiferente a tanta luz,
tantos e tão mutuamente desmentidos
farrapos de cor a adejar pelas encostas,
tanto tráfego de cestos e tesouras,
tantos risos, ordens, recriminações,
tanto cheiro a mosto, estevas e suor
– o rio segue vagaroso o seu destino.
Que não é, como se sabe, perder tempo
a namorar as margens.
A.M. Pires Cabral
domingo, 17 de novembro de 2019
A vida é bela, sem dúvida,
sobretudo porque não temos outra.
Jorge de Sena
sábado, 16 de novembro de 2019
Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho.
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.
Sophia de Mello Breyner Andresen
quinta-feira, 14 de novembro de 2019
Eu, simplesmente, digo
Que há fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.
Miguel Torga
segunda-feira, 11 de novembro de 2019
Tão longe, meu amor, tão longe,
quem de tão longe alguma vez regressa?!
E quem, ó minha imagem, foi contigo?
(De mim a ti, a mim,
quem de tão longe alguma vez regressa?)
Jorge de Sena
domingo, 10 de novembro de 2019
Não seguir a rua,
deixar que a rua me siga.
Amadeu Baptista
quarta-feira, 6 de novembro de 2019
Eis-me vestida de sol e de silêncio.
Sophia de Mello Breyner Andresen
domingo, 3 de novembro de 2019
Chegam as sombras
e o jardim apaga-se num instante.
As folhas imóveis nos ramos
mergulham na estranha quietude
dos troncos adormecidos, no súbito
silêncio das aves. Tinge o ar
a cor da despedida, nada soa
nem estremece, nem ondula, tudo bóia
na bruma estancada do ocaso.
Não há luz nas janelas, nem uma voz
que trespasse a grávida penumbra.
Há figuras que avançam e se perdem
na névoa. Há mortos que caminham.
Susana Benet
quinta-feira, 31 de outubro de 2019
Nós no comboio a que chamamos a vida
Somos todos casuais uns para os outros,
E temos todos pena quando por fim desembarcamos.
(...)
E o meu coração é um pouco maior que o universo inteiro.
Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa
terça-feira, 29 de outubro de 2019
À sombra de uma árvore
o tempo já não é o tempo
mas a magia de um instante que começa sem fim
a árvore apazigua-nos com a sua atmosfera de folhas
e de sombras interiores
nós habitamos a árvore com a nossa respiração
com a da árvore
com a árvore nós partilhamos o mundo com os deuses
Antonio Ramos Rosa
segunda-feira, 28 de outubro de 2019
Levai tudo:
o brilho fácil das pratas,
o acre toque das sedas.
Deixai só a incombustível
memória das labaredas.
A. M. Pires Cabral
quinta-feira, 24 de outubro de 2019
Estarei ainda muito perto da luz?
Manuel António Pina
segunda-feira, 21 de outubro de 2019
There´s no race, there´s only a runner
Just keeo one foot in front of the other
Lucius
sexta-feira, 18 de outubro de 2019
Se uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.
Alexandre O´Neill
quarta-feira, 16 de outubro de 2019
Escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo