Feliz aquele que administra sabiamente a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Ruy Belo
quarta-feira, 28 de novembro de 2018
o mundo nunca está completo:
faltam pessoas que nos morreram.
Gonçalo M. Tavares
segunda-feira, 26 de novembro de 2018
Entre mim e o silêncio
vai a mesma distância
que vai de mim a mim mesmo
Entretanto,
vou construindo sistemas explicativos
do que fica entre mim e o silêncio
Alexandre O’Neill
quinta-feira, 22 de novembro de 2018
Sigo, me espero além, vou-me ao encontro,
rio feliz que enlaça e desenlaça
um momento de sol entre dois olmos,
sobre a polida pedra se demora
e se desprende de si mesmo e segue,
rio abaixo, ao encontro de si mesmo.
Octavio Paz
quarta-feira, 21 de novembro de 2018
Quando, Lídia, vier o nosso Outono
Com o Inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
Primavera, que é de outrem,
Nem para o Estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa —
O amarelo actual que as folhas vivem
E as torna diferentes.
Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa
terça-feira, 20 de novembro de 2018
cego
de ser raiz
imóvel
de me ascender caule
múltiplo
de ser folha
aprendo
a ser árvore
enquanto
iludo a morte
na folha tombada do tempo.
Mia Couto
segunda-feira, 19 de novembro de 2018
Mal apanho uma aberta, sou como um galgo pelos montes acima. Não posso dizer o que sinto, nem o que procuro. Mas as pedras parecem-me fofas debaixo dos pés. A parte mais íntima de mim encontra-se e expande-se. Citadino e perdido, sou na verdade uma montanha comprimida.
Miguel Torga
quinta-feira, 15 de novembro de 2018
e um olhar perdido é tão difícil de encontar
como o é congregar ventos dispersos pelo mar
Ruy Belo
terça-feira, 13 de novembro de 2018
Como quem, vindo de países distantes fora de
si, chega finalmente aonde sempre esteve
e encontra tudo no seu lugar,
o passado no passado, o presente no presente,
assim chega o viajante à tardia idade
em que se confundem ele e o caminho.
Entra então pela primeira vez na sua casa
e deita-se pela primeira vez na sua cama.
Para trás ficaram portos, ilhas, lembranças,
cidades, estações do ano.
E come agora por fim um pão primeiro
sem o sabor de palavras estrangeiras na boca.
Manuel António Pina
domingo, 4 de novembro de 2018
E, não obstante,
a favor de viver, seja lá isso o que for
- mesmo temendo que seja
esta estranha corrida em direcção a nada.
Felipe Benítez Reyes
sábado, 3 de novembro de 2018
A favor de viver - seja lá isso o que for -
a desafiar a loucura do tempo fugitivo,
marcando as distâncias com sua vertigem
de morte e destruição arbitrária,
olhando o tempo
nos olhos,
mesmo sendo ele
veloz como um réptil que deixa a sombra para trás.