segunda-feira, 31 de dezembro de 2018




estes poemas que avançam
no meio da escurdião
até não serem mais nada
que lápis papel e mão
e esta tremenda atenção
este nada
uma cegueira que apaga
a luz por trás de outra mão
tudo o que acende e me apaga
alumiação de mais nada
que a mão parada
alumiação então
de que esta mão me conduz
por descaminhos de luz
ao centro da escuridão
que é fácil a rima em ão
difícil é ver se a luz
rima ou não rima com a mão

Herberto Helder




segunda-feira, 24 de dezembro de 2018





O verde converte-se em vermelho,
é o outono nas folhas do dióspiro.
E caem intactas, por terra
são fogo adolescente. Tudo porque
no alto entre labaredas
amadurecem os frutos, oferta
do divino, desgostoso de si próprio.


António Osório






quinta-feira, 20 de dezembro de 2018




Não morrerei em teus olhos
pois minha canção tantos olhos tem
como contas o colar dos trigos.


Javier Egea




terça-feira, 18 de dezembro de 2018





Procurei sempre um lugar
onde não respondessem,
onde as bocas falassem num murmúrio
quase feliz,
as palavras nuas que o silêncio veste.


António Ramos Rosa








sexta-feira, 14 de dezembro de 2018





Mas chegará uma noite
a estas margens
a alma liberta:
sem vergar os juncos
sem agitar a água ou o ar
partirá - com as casas
da ilha distante,
para um alto recife
de estrelas -



Antonia Pozzi




terça-feira, 11 de dezembro de 2018

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018




- Mestre: tome-me conta deste fidalgo.
Mas antes do pai chegar ao portão, atravessava ele o caniço dos esteiros, atirava-se ao rio. A corrente era forte, mas na outra margem havia pássaros, toiros bravos a pastar e valados desconhecidos.

Soeiro Pereira Gomes







domingo, 2 de dezembro de 2018



Só de vez em quando os seus pensamentos perdiam-se num nevoeiro de suave melancolia.

Robert Musil









sexta-feira, 30 de novembro de 2018




Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias

Ruy Belo




quarta-feira, 28 de novembro de 2018




o mundo nunca está completo:
faltam pessoas que nos morreram.

Gonçalo M. Tavares





segunda-feira, 26 de novembro de 2018




Entre mim e o silêncio
vai a mesma distância
que vai de mim a mim mesmo
Entretanto,
vou construindo sistemas explicativos
do que fica entre mim e o silêncio

Alexandre O’Neill





quinta-feira, 22 de novembro de 2018





Sigo, me espero além, vou-me ao encontro,
rio feliz que enlaça e desenlaça
um momento de sol entre dois olmos,
sobre a polida pedra se demora
e se desprende de si mesmo e segue,
rio abaixo, ao encontro de si mesmo.


Octavio Paz




quarta-feira, 21 de novembro de 2018




Quando, Lídia, vier o nosso Outono
Com o Inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
        Primavera, que é de outrem,
Nem para o Estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa —
O amarelo actual que as folhas vivem
        E as torna diferentes.

Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa




terça-feira, 20 de novembro de 2018



cego
de ser raiz

imóvel
de me ascender caule

múltiplo
de ser folha

aprendo
a ser árvore
enquanto
iludo a morte
na folha tombada do tempo.

Mia Couto


segunda-feira, 19 de novembro de 2018




Mal apanho uma aberta, sou como um galgo pelos montes acima. Não posso dizer o que sinto, nem o que procuro. Mas as pedras parecem-me fofas debaixo dos pés. A parte mais íntima de mim encontra-se e expande-se. Citadino e perdido, sou na verdade uma montanha comprimida.


Miguel Torga




quinta-feira, 15 de novembro de 2018





e um olhar perdido é tão difícil de encontar 
como o é congregar ventos dispersos pelo mar

Ruy Belo




terça-feira, 13 de novembro de 2018




Como quem, vindo de países distantes fora de
si, chega finalmente aonde sempre esteve
e encontra tudo no seu lugar,
o passado no passado, o presente no presente,
assim chega o viajante à tardia idade
em que se confundem ele e o caminho.

Entra então pela primeira vez na sua casa
e deita-se pela primeira vez na sua cama.
Para trás ficaram portos, ilhas, lembranças,
cidades, estações do ano.
E come agora por fim um pão primeiro
sem o sabor de palavras estrangeiras na boca.

Manuel António Pina



domingo, 4 de novembro de 2018



E, não obstante,
a favor de viver, seja lá isso o que for
- mesmo temendo que seja
esta estranha corrida em direcção a nada.

Felipe Benítez Reyes




sábado, 3 de novembro de 2018



A favor de viver - seja lá isso o que for -
a desafiar a loucura do tempo fugitivo,

marcando as distâncias com sua vertigem
de morte e destruição arbitrária,
olhando o tempo

nos olhos,
mesmo sendo ele

veloz como um réptil que deixa a sombra para trás.


Felipe Benítez Reyes








Um é outro e é nenhum:
entre seus nomes vazios
passam e se desvanecem.
Água, pedra, vento.


Octavio Paz




terça-feira, 30 de outubro de 2018




Um repouso claro
e aí nossos beijos,
sinais sonoros
do eco,
abrindo-se na distância.

E teu coração ardente,
nada mais.



Frederico Garcia Lorca




segunda-feira, 29 de outubro de 2018

sábado, 27 de outubro de 2018



                                                           Aurora... me enamoré de tí.

                                                                           Aldabaran








quinta-feira, 25 de outubro de 2018

terça-feira, 23 de outubro de 2018




Ó esta liberdade de não pensar o que outro irá pensar,
esta limpidez de uma só garganta,
esta infância do olhar e da boca,
este estado divino de me bastar às minhas sensações!


Quem disse que os amores e as partilhas são o sal da vida
não esteve nesta rocha
não encontrou esta alga
nem descobriu esta praia. 


Inês Lourenço,
 As Praias Obscuras









segunda-feira, 22 de outubro de 2018

domingo, 21 de outubro de 2018




Se o tempo
fosse
uma flor, o seu
perfume
seria
esta luz
escorrendo
pelas escarpas
do dia.


Albano Martins